
Uma nova pesquisa do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (Iris) revela que a maioria dos processos judiciais movidos por usuários de redes sociais no Brasil está relacionada à suspensão de contas profissionais. O dado mais impactante do estudo, que analisou 191 decisões judiciais de Tribunais de Justiça do Amazonas, Bahia, Goiás, Paraná e São Paulo, é que mais de 80% desses perfis são restabelecidos após a intervenção da Justiça.
Transparência e Proporcionalidade: As exigências da justiça às Big Techs
De acordo com a pesquisa “Decisões judiciais sobre o devido processo na moderação de conteúdo em redes sociais: como julgam os magistrados”, 94,8% das ações analisadas tratam da suspensão de contas, sendo que 80,1% delas são para uso profissional. Em impressionantes 84,8% dos casos, os juízes determinaram o restabelecimento das páginas.
As argumentações dos magistrados frequentemente apontam a falta de transparência e a desproporcionalidade das empresas donas das redes sociais – as chamadas big techs – em suas decisões de moderação de conteúdo.
O vazio legal e o devido processo
A regulamentação das plataformas digitais tem sido um tema central, inclusive no Supremo Tribunal Federal (STF). Recentemente, o STF discutiu o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que estabelece que as plataformas só são responsáveis por danos a terceiros mediante ordem judicial. Embora os ministros tenham concluído pela inconstitucionalidade de parte do artigo, concordaram que existem lacunas na legislação e que o Poder Legislativo deve atuar para preenchê-las.
A pesquisa do Iris corrobora essa percepção de um “vazio legal”: em 28,3% das decisões analisadas, não há uma base legal clara para as sentenças. Isso levou 92,7% dos juízes a fundamentarem suas decisões no direito ao devido processo legal para a moderação de conteúdo. Eles enfatizaram a necessidade de as plataformas agirem com maior transparência, incluindo a obrigatoriedade de notificar os usuários, fundamentar suas decisões e prever prazos para recurso.
O estudo observa: “Não se trata de uma decisão desprovida de sentido ou coerência, mas chama a atenção o fato de que nenhum dispositivo legal é apontado como base para o resultado do julgamento. Há menções a dispositivos legais sobre competência, distribuição do ônus da prova e outras questões processuais, mas não a respeito do debate de fundo. Talvez a falta de uma norma legal específica sobre o assunto controvertido possa explicar essa opção por construir uma solução apenas com base na racionalidade jurídica, mas sem o amparo em um texto normativo vigente”.
As normas mais citadas pelos magistrados
Diante da ausência de uma legislação específica sobre a moderação de conteúdo online, os magistrados brasileiros têm recorrido a outras normas para embasar suas decisões. As mais citadas foram:
- Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990): 43,45% das citações.
- Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014): 40,83% das citações.
- Constituição Federal: 15,18% das citações.
- Código Civil: 9,42% das citações.
Quando o Marco Civil da Internet é utilizado, o artigo 19 é mencionado em quase metade dos casos. Outros artigos relevantes dessa lei incluem o artigo 7º (direitos do usuário), o artigo 8º (que vincula o acesso à internet à garantia da privacidade e liberdade de expressão) e o artigo 20 (dever da plataforma de comunicar o usuário sobre o motivo da moderação de conteúdo).
A pesquisa ressalta que “nenhum desses dispositivos contém algo próprio sobre a moderação do conteúdo online”. Apenas uma única decisão, das 191 analisadas, apontou expressamente a ausência de uma norma legal específica sobre o tema da moderação, buscando nas regras contratuais de consumo a base para solucionar a controvérsia.
Esse cenário destaca a complexidade jurídica da moderação de conteúdo em redes sociais e a necessidade urgente de uma regulamentação mais clara no Brasil, que abranja os direitos dos usuários e as responsabilidades das plataformas digitais.
Leia pesquisa do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (Iris)