A 2ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) decidiu, por unanimidade, que uma mãe tem o direito de buscar o reconhecimento judicial da maternidade biológica de sua filha, mesmo após o falecimento da jovem. A decisão anulou a sentença de 1º grau, que havia extinguido o processo sem julgamento do mérito, e determinou o prosseguimento da ação com produção de provas e manifestação do Ministério Público.
Contexto: impedimentos legais e sociais da década de 1970
A filha, nascida em 1976, faleceu em 2021, durante a pandemia de Covid-19. Por barreiras legais e culturais da época — especialmente por estar casada com outro homem —, a mãe não conseguiu registrar a criança em seu nome. Assim, a certidão de nascimento da filha constava apenas com o nome do pai.
Ao ajuizar a ação de reconhecimento de maternidade, a mãe teve o pedido negado com base no artigo 1.614 do Código Civil, que exige o consentimento do filho maior para o reconhecimento da filiação. Como a filha já havia falecido, o juiz de primeiro grau entendeu que não haveria interesse processual.
Reconhecimento da filiação é direito fundamental
No recurso, o relator enfatizou que o reconhecimento de maternidade é um direito constitucional e não se trata apenas de um pedido simbólico. O reconhecimento é essencial para a retificação do registro civil e também tem repercussões patrimoniais, como o recebimento de seguro de vida.
A decisão ainda citou o Recurso Especial 1.688.470/RJ, julgado pelo STJ sob relatoria da ministra Nancy Andrighi, que reconhece a possibilidade de reconhecimento post mortem da filiação, desde que comprovada a boa-fé e existência de vínculo afetivo.
Perspectiva de gênero e direitos fundamentais
O julgamento aplicou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), reconhecendo que a legislação da década de 1970 refletia padrões patriarcais que impediram a mãe de exercer plenamente sua maternidade. Segundo o relator:
“Negar o reconhecimento de um filho extraconjugal é violar direitos fundamentais tanto da criança quanto da mãe, que sofre uma dupla violência.”
O vínculo afetivo foi comprovado por registros de batismo, fotografias e relatos de convivência. A decisão também reforçou a interpretação constitucional já firmada pelo STF, segundo a qual:
“O que faz uma família é, sobretudo, o amor, a comunhão e a identidade entre seus membros.”
Processo será retomado com instrução probatória
Com a nova decisão do TJSC, o processo seguirá para a fase de produção de provas, garantindo ampla defesa e contraditório, além da participação do Ministério Público. A decisão reforça a importância do reconhecimento da maternidade biológica e afetiva como um direito humano e fundamental.