Beneficiário de seguro que matou a mãe durante surto pode receber indenização securitária

Em razão da inimputabilidade do beneficiário do seguro de vida, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou o pagamento de indenização a um filho que, durante um surto, matou a mãe, segurada do contrato.

“O beneficiário inimputável que agrava factualmente o risco no contrato de seguro não o faz de modo intencional (com dolo), pois é, ontologicamente, incapaz de manifestar vontade civilmente relevante”, disse a autora do voto que prevaleceu no julgamento, ministra Nancy Andrighi.

Segundo o processo, em 2013, a mãe contratou um seguro de vida no valor de aproximadamente R$ 113 mil, indiciando o filho como único beneficiário. No final daquele mesmo ano, o rapaz, durante um surto esquizofrênico, matou a mãe atropelada. Ele foi denunciado por homicídio, mas o juízo criminal proferiu sentença de absolvição imprópria, em razão de o acusado, por causa da doença, ter sido considerado inimputável.

Na esfera cível, o beneficiário ajuizou ação contra a seguradora para cobrar a indenização, mas o juízo de primeiro grau considerou que a morte da segurada, ocasionada pela prática de ato doloso do beneficiário, impediria o recebimento do valor contratado. Contudo, o Tribunal de Justiça do Paraná reformou a sentença sob o entendimento de que o autor não possuía discernimento no momento do crime, sendo incapaz de agir dolosamente.

Beneficiário perde direito à garantia quando agrava intencionalmente o risco do seguro

Em análise do recurso da seguradora, a ministra Nancy Andrighi comentou que, à época dos fatos, havia lacuna legislativa sobre os casos de ato ilícito do beneficiário do seguro no momento do sinistro – o tema está atualmente regulado na Lei 15.040/2024, com vacatio legis até dezembro de 2025.

Em razão da omissão legislativa anterior, a ministra entendeu ser possível aplicar, por analogia, o artigo 768 do Código Civil, segundo o qual perde o direito ao recebimento do seguro o beneficiário que agravar intencionalmente o risco objeto do contrato segurado.

Na avaliação da magistrada, a expressão “intencionalmente” deve ser examinada também nas hipóteses de inimputabilidade e incapacidade civil. Segundo ela, no direito civil, o ato praticado pelo absolutamente incapaz, mesmo que contrário a algum direito, não é considerado ilícito exatamente em virtude da inimputabilidade do incapaz, embora a legislação preveja a possibilidade de reparação do terceiro prejudicado pelo dano.

Inimputável não possui capacidade de manifestar sua vontade

“Se o beneficiário, consciente e intencionalmente, agrava o risco, aplica-se a sanção legal (perda do direito ao benefício assegurado). Se, por outro lado, houve o agravamento do risco – sem que seja possível identificar a manifestação de vontade, dada a inimputabilidade do beneficiário – não é possível aplicar o artigo 768 do Código Civil. Não há vontade civilmente relevante em sua conduta e, como tal, não há intenção dolosa apta a afastar o direito à indenização”, afirmou.

Nancy Andrighi ponderou que esse raciocínio preserva a coerência do sistema jurídico, pois, se o inimputável não possui livre vontade para realizar atos negociais, conforme previsto nos artigos 166, inciso I, e 181, ambos do CC/2002, também não poderá manifestá-la em outras circunstâncias, como para agravar propositalmente o risco contratado (artigo 768 do CC).

O número do processo não é divulgado para preservação da intimidade das partes.

Fonte: STJ

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