Filiação socioafetiva póstuma é reconhecida mesmo com retorno à família biológica, decide STJ

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que o reconhecimento da filiação socioafetiva póstuma é possível mesmo que o filho retorne à família biológica. Com base nesse entendimento, o colegiado confirmou o vínculo entre um homem e seu pai socioafetivo, mesmo após ele ter voltado a morar com a mãe biológica.

O Caso: Uma Vida entre Duas Famílias

O autor da ação foi entregue aos pais socioafetivos quando tinha apenas dois anos. Eles se comprometeram a formalizar a adoção, mas não cumpriram a promessa. Ele cresceu com essa família até a separação do casal. Já adolescente, decidiu ir morar com a mãe biológica em outro estado.

Na vida adulta, no entanto, ele conviveu diariamente com o pai socioafetivo até a morte deste. Nesse período, o pai chegou a cogitar o processo de adoção, mas a ideia foi descartada porque o filho quis manter a mãe biológica em seu registro de nascimento, em reconhecimento ao acolhimento que ela lhe ofereceu durante a fase conturbada da separação dos pais socioafetivos.

Multiparentalidade e as Diferenças Legais

As instâncias ordinárias da Justiça (primeiro e segundo graus) já haviam atendido aos pedidos de reconhecimento da paternidade socioafetiva póstuma e de manutenção do vínculo com os pais biológicos. Ao rejeitar a apelação apresentada pelas irmãs socioafetivas, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) avaliou que havia provas suficientes da multiparentalidade. Além disso, apontou que eventuais afastamentos e problemas familiares não desconfiguram o caráter de família.

No STJ, as irmãs do pai socioafetivo argumentaram que não houve manifestação inequívoca dele sobre o desejo de adotar o autor da ação, conforme previsto no artigo 42, parágrafo 6º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Elas também afirmaram que o único objetivo do reconhecimento da filiação socioafetiva seria obter vantagens financeiras de uma eventual herança.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, analisou a questão a partir das diferenças entre os institutos da adoção e da filiação socioafetiva. Ela explicou que a adoção é um processo formal que exige a destituição do poder familiar dos pais biológicos, quando existentes. Já a ação declaratória de filiação socioafetiva busca o pronunciamento sobre uma situação já vivenciada pelas partes, permitindo a existência de múltiplos vínculos de parentesco (multiparentalidade).

“Mesmo que diferentes os institutos da adoção e da filiação socioafetiva no modo de constituição do vínculo de filiação, verificada a posse do estado de filho, que consiste no desfrute público e contínuo da condição de filho, é viável o reconhecimento da filiação socioafetiva, mesmo que após a morte do pai ou da mãe socioafetivos, como também ocorre na hipótese de adoção prevista no artigo 42, parágrafo 6º, do ECA”, detalhou a ministra.

Acolhimento e Vínculo Afetivo Prevalecem

A relatora observou que as regras do ECA invocadas pelas recorrentes não se aplicam ao caso, pois a discussão se refere ao reconhecimento de filiação socioafetiva de uma pessoa maior de idade. Da mesma forma, segundo a ministra, não há qualquer violação ao artigo 1.593 do Código Civil, uma vez que o dispositivo admite o reconhecimento de relação socioafetiva como vínculo de parentesco.

Nancy Andrighi lembrou ainda que o acórdão do TJRJ trouxe fundamentação consistente sobre a viabilidade de reconhecimento da relação socioafetiva. A alteração dessa decisão exigiria o reexame de fatos e provas em recurso especial, o que é proibido pela Súmula 7 do STJ.

“Ainda que o autor tenha passado a residir com a mãe biológica na fase adulta, em razão da separação tumultuosa dos pais socioafetivos, tal fato em nada interfere no seu pertencimento à família socioafetiva, que o acolheu desde tenra idade, prestando-lhe todo o carinho, afeto e educação de uma verdadeira família”, concluiu a ministra ao negar provimento ao recurso.

O número deste processo não é divulgado devido a segredo judicial. A decisão reforça a valorização dos laços de afeto e a complexidade das relações familiares contemporâneas no direito brasileiro.

Fonte: STJ

Compartilhe esse artigo

Precisa de Assistência Jurídica?

Entre em contato conosco para discutir como podemos auxiliar você. 

Últimos conteúdos

Nova lei simplifica outorgas de rádio e TV, mas Lula veta mudanças técnicas e de renovação

Emissoras de rádio e TV não precisam mais renovar as licenças técnicas a cada prorrogação de outorga

noticia

Loja esportiva é condenada por intolerância religiosa ao obrigar vendedor a esconder adereços de fé

Ele teve constrangido o direito ao uso de guias, colares típicos compostos de miçangas de cores diferentes e que representam seus entes protetores.

noticia

Brasil proíbe testes de cosméticos em animais

Nova legislação não modifica as regras sobre testes de medicamentos

noticia

Semana da Execução está com inscrições abertas até 31 de agosto

Evento nacional tem como objetivo principal garantir o pagamento de dívidas trabalhistas reconhecidas definitivamente em sentença judicial

noticia

STF suspende processos sobre lei ambiental de SC que limita proteção de florestas

Ministro Gilmar Mendes aponta insegurança jurídica e suspende decisões conflitantes até exame da constitucionalidade da norma

noticia

Golpe do “Falso Juiz” atinge cidadãos

O Serviço de Inteligência do Judiciário (SIJ) do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) emitiu um alerta sobre o golpe do “falso juiz“, uma fraude que se

noticia

Decisão sobre responsabilidade de plataformas não afeta modelo de negócio, diz Barroso

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que a recente decisão da Corte sobre a responsabilização das plataformas de redes sociais não teve impacto no

noticia

Vigilante é demitido por justa causa após publicar vídeos com armamento em redes sociais

Colegiado considerou que a quebra de regras internas configurou falta grave suficiente para rompimento do vínculo

noticia

TJSC mantém multa por troca de evento sem autorização em projeto esportivo para surdos 

Evento realizado não foi o aprovado com verba do Fundesporte e resultou em multa de quase 80 mil

noticia